Entre a Castidade e o Silêncio: Como a Seita Nova Acrópole Reprime Seus Membros LGBTQIA+
A Nova Acrópole, oficialmente apresentada como uma “organização internacional filosófica, cultural e voluntária”, goza de uma imagem pública de neutralidade ética, humanismo e abertura à diversidade. Seus representantes se posicionam como promotores de valores universais, da liberdade do pensamento e da convivência fraterna entre os povos. Contudo, essa narrativa institucional esconde uma face muito menos inclusiva — especialmente quando se trata da homossexualidade.
Por trás das fachadas dos salões de aula, dos uniformes impecáveis e das frases inspiradoras de Sócrates e Platão, existe um núcleo rígido de doutrinas morais derivadas diretamente de seu fundador, Jorge Angel Livraga Rizzi. Escritos internos como os Mandos (instruções aos diretores) e os Bastiões (artigos de formação para os membros) revelam um conteúdo abertamente homofóbico, que associa a homossexualidade à degeneração moral, ao vício e à decadência da civilização.
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Mesmo após tentativas institucionais de disfarçar esse legado — como a ordem de 2019 para remoção de trechos explícitos de ódio aos homossexuais de seus documentos oficiais — , a Nova Acrópole mantém em sua estrutura interna uma cultura de repressão sexual, silenciamento e hipocrisia. O discurso de que “a alma não tem sexo” convive, paradoxalmente, com códigos rígidos de comportamento que exigem o enquadramento da alma ao corpo biológico, e o abandono da identidade homossexual em nome de uma suposta pureza espiritual.
Este artigo visa expor, com base documental e relatos internos, como se estruturam essas práticas discriminatórias dentro da Nova Acrópole. Para isso, serão analisadas as declarações explícitas de Livraga sobre a homossexualidade, os mecanismos de repressão aplicados nas chamadas forças vivas, e os efeitos concretos sobre a vida de membros e dirigentes que, ao longo de décadas, foram forçados a esconder sua identidade para manter sua posição dentro da organização.
A seguir, revelaremos o que o próprio fundador da Nova Acrópole pensava sobre os homossexuais — em suas palavras exatas — antes de abordar a realidade vivida por membros LGBTQIA+ da organização no Brasil.
O que o fundador realmente pensa sobre os homossexuais
Jorge Angel Livraga Rizzi, fundador da Nova Acrópole, deixou um vasto acervo de textos internos que moldam a doutrina moral da instituição até os dias atuais. Apesar da organização evitar expor publicamente essas opiniões, elas permanecem acessíveis e ativas na formação de dirigentes e membros comprometidos com as chamadas forças vivas.
Nos documentos conhecidos como Mandos e Bastiões, Livraga apresenta uma visão abertamente hostil à homossexualidade, frequentemente associando-a à degeneração da civilização, à corrupção moral, e até mesmo a doenças como o HIV. A seguir, apresentamos trechos diretos desses textos, sem alterações, para que o leitor compreenda com clareza a gravidade das ideias que fundamentam a cultura interna da Nova Acrópole.
1. Homossexualidade como degeneração civilizatória
“Ellos predicaron durante siglos […] el advenimiento del hombre autoportante, sin tradición y sin Dios. Del solitario anodino, iconoclasta homosexual integral, fuerte por fuera y débil por dentro, que cristalizaron en una suerte de ‘Síndrome de Frankestein’.”
(Mandos nº 001)
Neste trecho, Livraga constrói a imagem do homossexual como símbolo do fracasso do projeto moderno, associando-o à decadência moral, à ausência de Deus e à anulação de valores tradicionais.
2. A epidemia de HIV como “a mão de Deus”
“Otra vez la Mano de Dios, a través de una peste, trata de nivelar los platillos de la balanza de la convivencia ‘civilizada’.”
(Mandos nº 018)
Essa frase revela uma perversidade teológica: o HIV é tratado não como tragédia de saúde pública, mas como uma correção divina contra comportamentos considerados “desviantes”.
3. Condenação moral disfarçada de filosofia
“La sexualidad contra natura […] no se corresponde con un Ideal Filosófico a la manera clásica […] Un cierto grado de pureza […] es imprescindible para la buena marcha de toda Sociedad Iniciática.”
(Mandos nº 022)
Livraga reafirma a ideia de que apenas uma sexualidade “natural” — entendida aqui como heterossexual e reprodutiva — é compatível com o ideal da Nova Acrópole. Tudo que foge a isso é excluído do projeto iniciático.
4. Homossexualidade como sintoma da “fraqueza” moderna
“Todo se volvió ‘soft’, blando, homosexual. Y quienes rompimos lanzas contra ello hemos sido calificados de ‘nazis’ y ‘retrógrados’.”
(Mandos nº 052)
O autor lamenta que o mundo tenha se tornado “mole”, associando diretamente esse suposto amolecimento à homossexualidade, como se fosse um traço de fraqueza coletiva que merece combate.
5. Homossexualidade como vício e ameaça pública
“Desgraciadamente, tuvimos razón […] al calificar a los homosexuales y drogadictos como un peligro público. […] salvo en pocas excepciones, no es una enfermedad ni una necesidad, sino un vicio mortal que toda persona natural y decente está obligada a combatir.”
(Bastião nº 106 — “El Cáncer Rosa”)
Aqui, Livraga é explícito: homossexuais não seriam doentes nem dignos de compaixão, mas viciosos perigosos que devem ser combatidos por pessoas “decentes”.
6. A homossexualidade entre os “lodos da corrupção”
“Apártate de las drogas, de los homosexuales, de los ladrones, de los violentos, de los cobardes…”
(Bastião nº 30)
Nesse trecho voltado aos novos membros, homossexuais são agrupados com criminosos e pessoas moralmente condenáveis — uma clara orientação de exclusão social e espiritual.
7. Homossexualidade como degeneração da elite ocidental
“Hay más homosexualidad […] en un barrio ‘alto’ de una gran capital que entre los habitantes de la campaña.”
(Bastião nº 100)
“Todo esto ha provocado el caos […] con sus secuelas de drogados, beodos, homosexuales y cobardes egoísmos.”
(Bastião nº 154)
“Está permitido ser homosexual y drogarse, pero no lo está el dejar de pagar los impuestos…”
(Bastião nº 131)
As falas reforçam a ideia de que a homossexualidade é um sintoma da decadência da modernidade, do luxo e da permissividade dos tempos atuais — sempre em contraste com um passado idealizado de ordem e virilidade.
8. Sarcasmo e desprezo como pedagogia
“¿Qué tiene de malo la homosexualidad…? El SIDA ha contestado de manera rotunda.”
(Bastião nº 119)
“Homosexuales de todo tipo marchan del brazo con los salvajes comedores de las vísceras de sus enemigos para darnos lecciones de humanidad…”
(Bastião nº 153)
As declarações carregam não só preconceito, mas escárnio e desumanização, comparando homossexuais a bárbaros ou animais, num discurso que flerta com a apologia do ódio.
Esses fragmentos revelam que a Nova Acrópole não apenas tolera a homofobia: ela a institucionalizou por meio da figura de seu fundador. Ainda que nos tempos recentes a organização tente disfarçar ou apagar tais declarações, o conteúdo segue moldando silenciosamente os valores e práticas da organização em diversos países — especialmente no Brasil, como será detalhado na próxima seção.
As Forças Vivas e a Homossexualidade

No interior da Nova Acrópole, as chamadas Forças Vivas representam o núcleo mais comprometido da organização — uma espécie de corpo iniciático disciplinado, onde os membros recebem treinamento específico de conduta, postura, filosofia e militância. É também neste núcleo que se revelam com maior nitidez os mecanismos de controle e repressão da instituição, especialmente no que se refere à sexualidade.
Em 2005, a então presidente internacional, Delia Steinberg Guzmán, redigiu um decreto que estabelecia formalmente as condições para que homossexuais pudessem ingressar nas Forças Vivas. Embora o texto aparente oferecer uma “abertura”, ele escancara, na verdade, um regime segregacionista e discriminatório que institucionaliza o preconceito com sutileza estratégica.
Entre as exigências do decreto, estão:
- Confessar por escrito sua condição de homossexual ao Mando (superior hierárquico);
- Declarar que a homossexualidade “não é um fator primordial em sua existência”;
- Comprometer-se a não falar sobre sua condição, nem induzir, elogiar ou criticar o tema;
- Não demonstrar afeto em público com seu parceiro;
- Cumprir um período de “provações” mais longo e inicialmente isolado dos demais membros;
- Submeter seu ingresso à autorização do Mando Máximo (diretor internacional) da organização;
- Estar ciente de que qualquer infração às normas implicará em sanções mais severas, com possibilidade de exclusão definitiva após três advertências.
Embora tais regras não sejam aplicadas da mesma forma a membros heterossexuais, o decreto impõe aos homossexuais uma vigilância mais rígida, um percurso mais árduo de entrada, e uma carga moral explícita: sua sexualidade é tratada como um fator de risco, uma condição excepcional que precisa ser monitorada, silenciada e contida.
Mais ainda: o fato de a formação inicial para homossexuais ser feita de maneira separada, durante o primeiro ano de provacionismo, revela uma visão institucional de “contaminação simbólica”, como se a convivência igualitária entre todos os membros fosse perigosa ou inadequada caso incluísse um indivíduo abertamente gay ou lésbico.
Esse tipo de segregação formalizada, mesmo travestida de “normas de convivência e decoro”, não apenas legitima a homofobia, como a eleva a uma diretriz doutrinária. O silêncio forçado, a autonegação pública e o isolamento inicial não promovem filosofia, nem formação espiritual — promovem vergonha, opressão e desumanização.
Esse decreto continua sendo referenciado, mesmo que de forma velada, como base para decisões de dirigentes acropolitanos ao redor do mundo. Ele ajuda a explicar por que tantos membros LGBTQIA+ da Nova Acrópole relatam sensação de inadequação crônica, medo de exposição e experiências marcadas por culpa, vigilância e autoanulação.
Fonte: Decretos de Délia Steinberg Gúzman, página 149
https://docs.google.com/document/d/17A2RWEu_V12HmU6VzVvcJErGOyOL0BIg/
A situação geral dos homossexuais da Nova Acrópole do Brasil
Apesar de a Nova Acrópole tentar transmitir ao público uma imagem de pluralidade e abertura filosófica, os relatos de ex-membros e observações internas apontam para uma realidade bem distinta quando se trata da vivência de pessoas LGBTQIA+ — especialmente homossexuais — dentro da organização no Brasil.
Mesmo após o decreto emitido em 2005 por Delia Steinberg Guzmán, então presidente internacional da instituição, proibindo explicitamente a exclusão de homossexuais dos quadros da organização, a orientação interna permaneceu ambígua e contraditória. A mensagem velada foi clara: homossexuais podem permanecer, desde que não se assumam publicamente e vivam em castidade.
Na prática, o ideal acropolitano para os homossexuais é a negação da sexualidade e a sublimação dos desejos. A doutrina sustenta que, embora a alma não tenha sexo, ela deve “respeitar o corpo em que encarnou”. Isso cria uma contradição evidente: o discurso aparentemente espiritual é usado como justificativa para uma moral rígida e biologicamente determinada, que exige que gays, lésbicas e bissexuais neguem suas identidades sob pena de estagnação no caminho iniciático.
Esse modelo gerou, ao longo dos anos, uma série de distorções humanas e relacionais. Diversos dirigentes e membros de alto escalão assumiram casamentos heterossexuais de fachada, como forma de garantir seu prestígio dentro da hierarquia institucional. Esses casamentos, muitas vezes desprovidos de vínculo afetivo real, serviram como escudo social contra suspeitas ou exclusões. Somente recentemente, com o surgimento de denúncias sobre abusos e desvios de conduta por parte de dirigentes, alguns casos vieram à tona.
Relatos atuais confirmam ao menos dois casos documentados de diretores que, após anos casados, divorciaram-se de suas esposas e assumiram sua homossexualidade: um em uma cidade do interior de São Paulo, outro em uma das escolas do Rio de Janeiro. Em ambos os casos, a revelação ocorreu somente depois que esses indivíduos já haviam consolidado sua posição e reputação, reduzindo os riscos de exclusão direta.
Mais grave ainda é o caso de uma diretora que, por anos, pregou abertamente a necessidade de “abolir a homossexualidade” como forma de purificação da alma. Posteriormente, foi revelado que ela própria era lésbica e que se casou com uma discípula, após esta romper o casamento com seu marido. O fato, embora abafado internamente, circulou entre os membros como mais uma evidência da hipocrisia institucionalizada que marca a Nova Acrópole.
Ainda hoje, é comum que membros LGBTQIA+ sintam-se compelidos a esconder quem são. Nas aulas, evita-se qualquer menção à diversidade sexual. Nos rituais internos, como os encontros das forças vivas, prevalece uma cultura de disciplina de gênero que impõe comportamentos esperados para “damas” e “cavalheiros”. Qualquer expressão que fuja ao padrão binário e heteronormativo é vista como desvio, desordem, ou pior: fraqueza espiritual.
Trata-se, portanto, de uma cultura de repressão velada, mas sistemática. Não há expulsão formal, mas há silenciamento, contenção e vigilância moral. Não há discursos públicos de ódio, mas há textos fundacionais que ainda circulam internamente e moldam comportamentos. E embora a Nova Acrópole tente apagar esses rastros — como na ordem interna de 2019 que solicitou a remoção de trechos homofóbicos dos documentos — o legado permanece vivo, refletido nas práticas cotidianas e nas histórias de dor silenciosa de seus membros.
Conclusão
A Nova Acrópole construiu sua imagem pública como uma escola de filosofia à maneira clássica, voltada à elevação ética, ao serviço à humanidade e à liberdade interior. Contudo, quando se desce da superfície do marketing institucional para os documentos internos, os bastidores de suas práticas e os testemunhos de quem viveu sua doutrina por dentro, emerge um retrato incompatível com os valores universais que proclama defender, típicos de uma seita disfuncional.
O pensamento do fundador, Jorge Angel Livraga Rizzi, sobre a homossexualidade não é apenas antiquado — é explicitamente hostil, violento e inaceitável sob qualquer perspectiva ética moderna. Ao associar homossexuais a doenças, vícios e à degeneração da civilização, Livraga lançou as bases para uma cultura organizacional profundamente excludente e repressiva, que ainda hoje orienta a formação de seus membros mais comprometidos, especialmente nas forças vivas.
A instituição, mesmo após decretos de aparente abertura, como o de 2005, e tentativas de apagamento de suas declarações mais radicais — como a ordem de 2019 para remover menções à homofobia de seus documentos — , mantém uma lógica moralista que obriga seus membros LGBTQIA+ a esconderem quem são, sob o risco de exclusão simbólica, estagnação espiritual ou marginalização interna. O ideal imposto é a castidade, o silêncio e a adaptação forçada a uma identidade que não lhes pertence.
Os casos de dirigentes que viveram relações heterossexuais de fachada, ou que só puderam se assumir após anos de repressão e sofrimento, não são exceções — são sintomas de uma estrutura que valoriza a aparência em detrimento da verdade, a obediência em lugar da liberdade, e a norma sobre a autenticidade. A Nova Acrópole, ao se recusar a revisar criticamente seus fundamentos e atualizar sua doutrina à luz dos direitos humanos, perpetua uma cultura de dor e invisibilidade.
Denunciar esse estado de coisas não é um ataque à filosofia, nem uma tentativa de destruir valores tradicionais. É um chamado à coerência. Se a Nova Acrópole deseja realmente ser uma escola de filosofia comprometida com o ser humano, precisa começar por reconhecer que nenhum ideal espiritual pode florescer onde a dignidade de parte dos seus membros é sistematicamente negada.
Quando a Nova Acrópole terá a coragem de reconhecer seus erros — ao invés de apenas camuflar seu passado e vestir uma inclusão de fachada?
Para quem duvida, segue os links dos textos originais. Tirem suas próprias conclusões:
Artigos para os diretores nacionais:
https://docs.google.com/document/d/1VkOZgO9_VL-d8cchT2njvRGgCysZVMar
https://docs.google.com/document/d/10fclZFSO2gxXeJugVj9wfFWLEqKzvkIE
https://docs.google.com/document/d/1yXhDiEfdHxkFDNCQcmL43SM12spzC3m6
https://docs.google.com/document/d/1BlywcnEPXXiMrQxnYTcJ4P8un8eJxWX5
Artigos para os forças vivas (orientar-se pelos números nas citações):
SE VOCÊ DESEJA CONTAR SUA HISTÓRIA, FAZER ALGUMA DENÚNCIA OU ENVIAR ALGUM DOCUMENTO, NOSSO E-MAIL É vitimasnovaacropole@atomicmail.io