Ada Albrecht: A fundadora de Nova Acrópole que foi riscada do mapa
Você confiaria em uma instituição que mente sobre sua própria origem?
Essa é a pergunta que deve acompanhar qualquer pessoa ao se
deparar com a história da Nova Acrópole — uma organização que se apresenta ao
mundo como uma escola de filosofia à maneira clássica, mas que omite
deliberadamente a mulher que esteve em sua gênese: Ada Albrecht.
Ada não foi apenas uma inspiração distante ou uma figura
periférica. Foi fundadora da Nova Acrópole junto de Jorge Ángel Livraga,
aquele que a Nova Acrópole insiste em apresentar como o único fundador da
instituição.
Porém, nos livros, sites e materiais oficiais da Nova
Acrópole, o nome de Ada Albrecht simplesmente não existe. Ela foi
apagada da história institucional — um silenciamento tão calculado quanto
desconcertante. É como se a organização, para proteger a imagem mítica de seu
fundador e de sua sucessora, tivesse decidido riscar da memória coletiva uma
mulher que não apenas participou da origem do movimento, mas foi central em sua
concepção espiritual e doutrinária.
Este artigo é um resgate. Uma tentativa de contar aquilo que
tentaram esconder. E, sobretudo, de convidar o leitor a uma reflexão mais
profunda: o que revela sobre uma organização o fato de ela apagar a sua
verdadeira fundadora?
Ada e Jorge: os verdadeiros pilares da Nova Acrópole
A história oficial da Nova Acrópole costuma começar e
terminar com o nome de Jorge Ángel Livraga, apresentado como o único
idealizador, fundador e mestre do movimento. No entanto, essa narrativa ignora
um fato fundamental: Livraga não fundou a Nova Acrópole sozinho. Ele o
fez ao lado de Ada Albrecht, sua esposa, companheira espiritual e
cocriadora do projeto.
Ada era uma mística argentina, escritora e estudiosa das
tradições esotéricas. Nos anos 1950, quando Livraga ainda era um jovem
entusiasta da Teosofia, foi sob a orientação e influência direta de Ada
que ele iniciou sua trajetória esotérica mais séria. Segundo relatos de
ex-membros e documentos históricos, foi com Ada que Livraga estruturou a
base filosófica, organizacional e ritualística da Nova Acrópole — um
projeto que começou na Argentina como uma extensão da busca por uma “nova
civilização” inspirada na antiguidade.
Enquanto Livraga trazia o impulso expansionista e o carisma
messiânico, Ada era considerada por muitos a “alma da Nova Acrópole”.
Era ela quem desenvolvia os cursos, escrevia os roteiros cerimoniais e conduzia
as práticas espirituais. Nos bastidores, ela exercia o papel de Comandante
Mundial da área de ensino — título confirmado por testemunhos de
ex-integrantes — ao passo que Livraga era o rosto público do movimento.
Essa parceria, no entanto, não sobreviveu aos conflitos
internos de poder e à ascensão de uma nova figura: Delia Steinberg Guzmán.
A partir desse ponto, o nome de Ada começou a desaparecer dos registros.
Livraga passou a ser cultuado como “o mestre fundador” único e absoluto, e a
mulher com quem fundou a organização foi varrida da memória oficial, como
se jamais tivesse existido.
Mas a verdade permanece viva na memória dos que
testemunharam os primeiros anos da Nova Acrópole. E essa verdade aponta para um
fato incômodo demais para ser admitido: a Nova Acrópole é fruto de uma
criação conjunta. E sua história só faz sentido quando reconhecemos Ada
Albrecht como um de seus verdadeiros pilares.
O apagamento: poder, traição e a reescrita da história
Nos anos 1970, enquanto Livraga estreitava laços com setores
militares da América Latina e consolidava uma visão cada vez mais hierárquica e
militarizada da Nova Acrópole, Ada agia na contramão. Um episódio
simbólico revela esse antagonismo: Ada nomeou como Comandante Nacional da
filial argentina uma mulher que havia sido prostituta. O gesto era um
desafio direto aos preconceitos — e uma forma de afirmar que passado não define
caráter. Embora não houvesse qualquer motivo formal para impedir a nomeação, Livraga
considerou a decisão inaceitável. Mas precisou conter sua reação: àquela
altura, a maioria dos membros da organização admirava profundamente Ada, cuja
liderança carismática e conteúdo espiritual tinham forte apelo.
A tensão crescia. Enquanto os boletins internos da Nova Acrópole ainda estampavam os símbolos de ambos — a deusa egípcia Bastet para Ada, e o chacal Anúbis para Livraga —, nos bastidores a ruptura era iminente.
Em 1980, Ada surpreendeu Livraga e Delia Steinberg Guzmán em uma situação de intimidade. A traição não era apenas pessoal: significava uma tentativa de substituição, de reposicionamento interno, de reconfiguração do poder.
O escândalo resultou em um confronto interno generalizado,
com a expulsão sumária de Ada logo em seguida. No “Encontro
Internacional” da Nova Acrópole de 1981, em Roma, Livraga formalizou sua
vitória. Vestido com um manto imperial púrpura, sentado sob um dossel, ele
declarou que Ada estava fora da organização e que o chamado “Comando Mundial” —
uma estrutura colegiada de liderança — havia sido dissolvido.
O decreto proferido naquele evento é revelador do tom
totalitário que a Nova Acrópole tomava:
“DECRETAMOS: [...] Que a antiga Comandante Mundial
ADA foi privada de todos os poderes dentro da IONA devido à sua real
incapacidade de exercer tais poderes [...]. Todos os seus antigos Títulos e
Honrarias lhe serão devolvidos no momento de sua morte, a menos que ela
expresse intenção contrária.”
Além disso, o “duplo comando” — comum até então, quando
casais dividiam a liderança de filiais — foi proibido. Um novo modelo foi
imposto: um dos membros deveria ser hierarquicamente superior ao outro, e,
quase sempre, era o homem quem ocupava essa posição. O objetivo era claro:
romper vínculos afetivos e garantir fidelidade exclusiva à figura de Livraga e
à estrutura da organização.
A reunião de Roma foi um divisor de águas. Não apenas marcou
a queda de Ada, como decretou a reconfiguração total do movimento como uma
estrutura de poder vertical, centralizada e obediente ao “Comandante Supremo”.
Aqueles que não concordassem deveriam abandonar a Nova Acrópole — ou seriam
substituídos por “Idealistas Fiéis”.
Essa virada autoritária consolidou o culto à personalidade
de Livraga e enterrou, de forma deliberada, o papel fundamental de Ada Albrecht
na história do movimento. E mais: instituiu um modelo que, para muitos
ex-membros, deu origem ao caráter sectário, misógino e absolutista que marcaria
a organização dali em diante.
Conclusão: E se a verdade for intolerável demais para ser dita?
Chegamos ao ponto em que as máscaras precisam cair. A Nova
Acrópole, que se apresenta como uma “escola de filosofia à maneira clássica”,
apaga deliberadamente o nome de sua verdadeira cofundadora — Ada Albrecht — de
sua história. Mas não apenas isso. A organização mente. E mente com método,
estratégia e crueldade.
Ada não foi esquecida: ela foi traída, descartada, apagada.
Foi removida da memória institucional após confrontar o autoritarismo de Jorge
Ángel Livraga e testemunhar sua traição íntima com Delia Steinberg Guzmán. Seu
nome foi banido, seus méritos foram silenciados e, como se não bastasse, foi
estabelecido que só receberia seus títulos de volta... após a morte. Isso
não é um equívoco histórico. É vingança disfarçada de decreto.
Aos membros da Nova Acrópole que talvez estejam lendo este artigo: vocês confiam em uma organização que mente sobre quem a fundou? Que apaga da história uma mulher porque ela se recusou a se curvar a uma estrutura autoritária, misógina e manipuladora?
Como podem falar em “amor à sabedoria” quando aceitam
como guia um homem que desfez casais, rompeu vínculos humanos em nome da
lealdade a si mesmo, e transformou uma proposta filosófica em um império do
medo?
Vocês estudam Sócrates, Platão, Confúcio, Buda — mas
obedecem a decretos que proíbem pensar por conta própria. Onde está a
coerência? Onde está a coragem filosófica que tanto pregam?
Se há algo verdadeiramente clássico neste enredo, é a
tragédia. A queda de Ada revela não apenas a face oculta da Nova Acrópole, mas expõe
o tipo de verdade que o sistema é incapaz de suportar: a verdade de que sua
fundação está contaminada por orgulho, manipulação e traição. Não há filosofia
autêntica possível enquanto esse silêncio persistir.
Fingir que Ada Albrecht nunca existiu é aceitar uma
mentira como pedra fundamental da própria identidade. E nenhuma busca
espiritual pode florescer onde a mentira é lei e a lealdade cega é virtude.
Está na hora de encarar os fatos. Está na hora de resgatar a
verdade. Porque, se vocês continuarem ignorando essa história, talvez precisem
admitir que estão servindo não à sabedoria — mas ao medo.