Jorge Ángel Livraga e o Arquétipo de Deus: Psicose Messiânica e Projeto Totalitário na Nova Acrópole

Este artigo analisa a trajetória de Jorge Ángel Livraga Rizzi, fundador da Nova Acrópole, à luz da psicologia junguiana. A partir de documentos internos e obras de circulação restrita, evidencia-se como Livraga construiu um projeto político-religioso de moldes totalitários, fundado na crença de ser emissário dos Mestres da Fraternidade Branca. Tomado pelo arquétipo de Deus e pela “personalidade mana”, ele combinou delírios de grandeza, culto à personalidade e centralização absoluta do poder, adaptando a fachada pública da instituição para sobreviver politicamente enquanto preservava intacto o ideário original — um plano de dominação projetado para séculos à frente.



Jung para Leigos: Conceitos-Chave para Entender a Análise de Jorge Ángel Livraga Rizzi

Antes de entrarmos na trajetória e nas ideias de Jorge Ángel Livraga Rizzi, fundador da Nova Acrópole, é importante compreender alguns conceitos da psicologia de Carl Gustav Jung. Esses conceitos nos ajudarão a interpretar não apenas comportamentos individuais, mas também fenômenos coletivos que se formam em torno de líderes carismáticos.

1. O Inconsciente Coletivo e os Arquétipos

Jung acreditava que, além do inconsciente pessoal (formado por experiências esquecidas ou reprimidas), existe um inconsciente coletivo — um nível mais profundo da psique que contém padrões universais de pensamento, sentimento e comportamento.
Esses padrões são chamados arquétipos. Não são imagens fixas, mas estruturas psíquicas que, quando ativadas, geram símbolos, mitos e narrativas semelhantes em culturas diferentes.

Exemplos comuns de arquétipos:

  • O Rei – representa autoridade, ordem e responsabilidade; pode se manifestar tanto como governante sábio quanto como tirano.
  • O Herói – simboliza coragem, superação e a luta contra o caos.
  • O Sábio – encarna o conhecimento e a orientação, mas também pode se tornar dogmático.
  • A Sombra – reúne tudo o que rejeitamos ou negamos em nós mesmos, mas que projetamos nos outros como “inimigos” ou “ameaças”.

2. O Arquétipo de Deus e o Self

Na psicologia junguiana, o Self (Si-mesmo) é o centro e a totalidade da psique — a fonte última de sentido e ordem interior.
Quando esse núcleo é percebido de forma simbólica, muitas culturas o expressam como a imagem de Deus.
O arquétipo de Deus é, portanto, a representação psíquica desse princípio de totalidade.

O problema surge quando o ego (nossa consciência individual) se identifica com o Self. Isso gera um estado chamado inflação: a pessoa sente que possui poderes, missão e autoridade divinos, e passa a agir como se estivesse acima das regras humanas.

3. Inflação e “Personalidade Mana”

Quando alguém é tomado por um conteúdo arquetípico muito poderoso e acredita ser a própria encarnação desse conteúdo, Jung chama isso de “personalidade mana”.
“Mana” é um termo polinésio para a energia espiritual que confere autoridade.
Na prática, isso se traduz em líderes ou mestres que se veem como portadores de uma missão sagrada e que esperam devoção irrestrita de seus seguidores.

4. Sombra e Projeção

A Sombra contém aspectos nossos que não aceitamos.
Quando não reconhecemos nossa própria sombra, tendemos a projetá-la em grupos ou pessoas, considerando-os como “o mal” ou “o inimigo”.
Em grupos totalitários, isso cria divisões rígidas: nós (os puros, iluminados) contra eles (os corruptos, decadentes).

5. Participation Mystique

Jung também descreve um estado chamado participation mystique (participação mística), em que o indivíduo perde parte da sua autonomia e sente-se fundido a uma entidade maior — seja um grupo, um líder ou uma ideia.
Esse estado reforça o carisma dos líderes e aumenta a obediência, pois o seguidor sente que, ao servir o líder, serve algo divino ou universal.

6. Por que esses conceitos são importantes aqui?

Na análise de Livraga, veremos como esses elementos se combinaram:

  • Um arquétipo de Deus inflado no ego, levando-o a se perceber como mensageiro divino.
  • Admiração por líderes totalitários e apropriação de narrativas heroicas e redentoras.
  • Projeção da sombra no “mundo decadente” e na democracia, justificando a necessidade de uma nova ordem.
  • Uso de símbolos e rituais para manter os seguidores em estado de participation mystique.

Essas ferramentas nos permitirão compreender não apenas o indivíduo, mas o sistema de crenças e a estrutura de poder que ele construiu.

O perfil psicológico e o início da trajetória de Jorge Ángel Livraga Rizzi



1. Infância e juventude: sementes da grandiosidade


Desde cedo, Jorge Ángel Livraga construiu uma narrativa de vida marcada por um suposto destino excepcional. Em seu relato autobiográfico, ele afirma:

“Ya desde pequeño me sentía diferente, como si hubiera una misión que cumplir, algo que me separaba de la masa.”

Essa sensação precoce de singularidade — de estar apartado do “homem comum” e incumbido de uma tarefa superior — é um exemplo clássico do que a psicologia junguiana descreve como inflação do ego. Nesse estado, o eu consciente deixa de se ver como uma parte limitada do todo e passa a se identificar com conteúdos grandiosos oriundos do inconsciente coletivo, como arquétipos de heróis, reis ou enviados divinos.

Na infância, segundo ele, pequenos eventos assumiam significados quase místicos:

“Cosas pequeñas, encuentros, palabras al azar… yo las interpretaba como presagios de algo que vendría.”

A leitura desses acontecimentos como “presságios” ou “sinais” reforça a tendência a integrar qualquer elemento fortuito à narrativa pessoal de grande destino. Sob a lente junguiana, isso demonstra um contato precoce e literal com conteúdos simbólicos — algo que, sem elaboração consciente, pode levar à cristalização de um enredo messiânico para a própria vida.

Essa mentalidade não surge isolada: ela prepara terreno para que, mais tarde, ao encontrar sistemas de pensamento místico ou ideológico, a pessoa se veja imediatamente como parte central da história, e não como mera participante ou estudante.

 


2. Fascínio por líderes autoritários

Ainda jovem, Livraga direcionou sua atenção para figuras históricas de grande poder centralizado. Ele escreve:

“Estudié con atención a hombres como Hitler y Mussolini… la idea era correcta, pero mal ejecutada.”

Essa frase é reveladora. Ela demonstra que sua discordância não estava no núcleo ideológico desses regimes, mas sim na “execução” prática. Em termos psicológicos, vemos aqui um processo de projeção da sombra: para ele, o mal, a decadência e a corrupção estariam no “mundo democrático” e no sistema vigente, enquanto seu próprio projeto aparecia como puro, redentor e imune aos erros do passado.

Jung descreve que, quando a sombra não é reconhecida internamente, ela é projetada para fora, criando um “nós contra eles” rígido. No caso de Livraga, essa lógica se encaixava perfeitamente com um pensamento de inspiração totalitária: a crença de que um líder visionário, munido de “maior clareza” e “preparo filosófico”, poderia evitar o fracasso que, na sua visão, acometeu figuras como Hitler.

Ideário p. 135


Essa admiração não era mero interesse histórico, mas um modelo de liderança que viria a inspirar o desenho da hierarquia da Nova Acrópole — vertical, disciplinada e voltada para a formação de uma elite dirigente.

Ver Mando nº 023, onde ele atribuia à Blavatsky a origem do Nazifacismohttps://docs.google.com/document/d/1SD9CrxGZ6suQZvJ50EEvyL2IHBSXfWSH

3. Contato com a Teosofia: o encontro com a missão cósmica

A entrada na Sociedade Teosófica foi, para Livraga, um momento de virada que forneceu a moldura mística perfeita para seu enredo pessoal. Ele relata:

“Del Maestro A. aprendí las relaciones armónicas de todo lo que se quiera manifestar armónicamente. Del Maestro Aa. a bucear en las encarnaciones pasadas con un mínimo de distorsión por superposición de imágenes y vivencias. Del Maestro M. (vía indirecta) a buscar la verdad sin dar vueltas inútiles y a imponer la voluntad sobre las pasiones. Del Maestro K.H. (vía indirecta) a comprender la misión del Hombre Nuevo y la 6ª Subraza.”

https://docs.google.com/document/d/1_c0BtxVBPJrrWZQ8OOmmKrG2vYVfjsyB

A Grande Fraternidade Branca é, no contexto teosófico, uma suposta ordem oculta de mestres espirituais que dirigem a evolução da humanidade a partir de planos superiores. Associada a essa visão está a doutrina das raças-raiz, segundo a qual a humanidade progride por estágios evolutivos sucessivos, cada um marcando um avanço físico, mental e espiritual.

Segundo a crença, vivemos atualmente a 5ª raça (ariana), e no futuro surgirá a 6ª raça, o “Homem Novo”, mais perfeito e preparado para uma civilização superior. Livraga assimilou essa doutrina de forma literal e pessoal:

“Sentí que mi vida estaba para preparar ese advenimiento, que yo era un instrumento para esa transición.”

Aqui, a análise junguiana identifica um caso claro de identificação ego–Self: em vez de ver essas ideias como símbolos de um processo interno de individuação, Livraga as viveu como uma missão concreta e histórica, na qual ele era o agente central.



Essa fusão entre o “eu” e o arquétipo — no caso, o arquétipo de Deus ou do Rei redentor — elimina a distância crítica necessária para lidar com imagens arquetípicas de forma saudável. O resultado é a construção de uma identidade de “enviado” ou “porta-voz” do destino humano, algo que se tornaria a base do projeto político e espiritual que ele viria a implementar com a fundação da Nova Acrópole.

 

Tomado pelo arquétipo de Deus, Livraga decide tomar a Sociedade Teosófica


Após mergulhar profundamente na Teosofia, Jorge Ángel Livraga começou a se apresentar como um discípulo direto dos Mestres da Fraternidade Branca, portador de uma missão cósmica. Segundo sua própria narrativa, “nessa cripta [egípcia] entrou em contato com os ‘Mestres da Fraternidade Branca’… ali começou sua instrução como discípulo” (Los inicios de Nueva Acrópolis). Ele afirmava que esses Mestres o incumbiram de fundar um novo movimento, pois a Sociedade Teosófica estaria “em decadência” e teria perdido o vínculo com eles. Nessa versão, o próprio presidente mundial da Sociedade Teosófica, Sri Ram, teria lhe pedido para criar a Nova Acrópole.

Essa história cumpria um papel estratégico: conferia a Livraga uma autoridade espiritual independente, acima de qualquer estrutura institucional, legitimada não por eleições ou cargos, mas por um suposto chamado divino. Na linguagem da psicologia junguiana, trata-se de um caso clássico de identificação ego–Self — quando o indivíduo se apropria do arquétipo de Deus para se colocar no centro de uma narrativa redentora.

Entretanto, os documentos internos da Sociedade Teosófica revelam um quadro oposto. Longe de convidá-lo, Sri Ram e a cúpula internacional o viam como uma ameaça real. Conforme o relatório oficial da Seção Argentina, as autoridades “viram [sua atuação] como uma tentativa de se apoderar da Sociedade Teosófica na Argentina” (Theos-Talk, 1998). Para frear sua expansão, alteraram os estatutos de modo a impedir que ele continuasse a recrutar jovens como “membros não afiliados” — pessoas que não pertenciam a nenhuma Loja local, mas se reuniam exclusivamente sob sua coordenação no grupo Juventud Teosófica de Argentina.

O mesmo relatório descreve que, entre 1959 e 1962, Livraga empreendeu “constantes ataques contra a Sociedade Teosófica argentina e suas autoridades estabelecidas”, chegando a processar a instituição — ação que perdeu, sendo condenado a pagar todas as custas. O embate terminou em sua expulsão formal:

“Um Congresso Nacional o expulsou da Sociedade Teosófica… porque apresentou informações enganosas contra a Sociedade Teosófica ao Procurador-Geral da Província de Santa Fé” (Theos-Talk, 1998).

A carta também aponta que, já nesse período, os planos de Livraga e de sua organização tinham assumido contornos políticos perigosos:

“Há muitas evidências sobre a verdadeira natureza dessa instituição, que estava internamente conectada com o extremismo de ultradireita e o nazismo” (Theos-Talk, 1998).

Mesmo após a expulsão, ele manteve o uso do nome Juventudes Teosóficas até 1964, quando substituiu oficialmente por “Acrópolis” e começou a introduzir símbolos próprios — incluindo uma “águia ao estilo nazista” já em 1963 (Los inicios de Nueva Acrópolis).

Esse episódio não foi apenas um conflito administrativo. Ele antecipa a dinâmica que se tornaria a marca registrada da Nova Acrópole: um líder que se apresenta como escolhido por forças transcendentais, rejeita subordinação a qualquer autoridade externa e constrói um núcleo fechado em torno de sua figura. O mito fundacional — a suposta missão recebida de Sri Ram — funcionou como instrumento de manipulação, estabelecendo desde o início um culto à personalidade em que contestar o líder significava, na prática, questionar a própria “missão dos Mestres”.

Assim, a ruptura com a Sociedade Teosófica não representou o nascimento de uma nova linhagem espiritual, mas a consolidação de um modelo autoritário e ideologicamente radicalizado, que moldaria toda a trajetória futura da Nova Acrópole.

Referências:
http://theos-talk.com/archives/199802/tt00311.html
https://que-es-na.blogspot.com/2024/12/los-inicios-de-nueva-acropolis.html
https://docs.google.com/document/d/1_c0BtxVBPJrrWZQ8OOmmKrG2vYVfjsyB

Como Nova Acrópole conta a história de Livraga (em vídeo):

https://drive.google.com/file/d/1QJUsyh81UKSnhEP5lo3zj3ypoePpiZW2

https://drive.google.com/file/d/1BPt0PmkUGEvo-IFzR7tfu0e8WZMyRz2G (para Forças Vivas)

 

O mito contado por Livraga × O que mostram os documentos

Mito contado por Livraga

O que mostram os documentos da Sociedade Teosófica

Contato direto com os Mestres – Afirma que, em sua cripta egípcia, “entrou em contato com os Mestres da Fraternidade Branca” e começou sua instrução como discípulo, recebendo deles uma missão especial.

Nenhum documento oficial da S.T. reconhece tal contato. Trata-se de um relato pessoal sem comprovação, usado para construir autoridade espiritual independente.

Missão de Sri Ram – Segundo Livraga, o próprio presidente mundial da S.T., Sri Ram, pediu-lhe para fundar um novo movimento (Nova Acrópole) para substituir a S.T., que estaria “em decadência”.

O relatório oficial da S.T. Argentina (1982) afirma que as autoridades “viram [sua atuação] como uma tentativa de se apoderar da Sociedade Teosófica na Argentina” (Theos-Talk, 1998). Não houve convite; houve oposição e mudança estatutária para limitar sua influência.

Grupo legítimo e autorizado – Apresenta o grupo Juventud Teosófica de Argentina como parte orgânica da S.T. e base da futura Nova Acrópole.

A S.T. descreve esse grupo como uma “organização privada de Livraga” sem vínculo formal, reunindo “membros não afiliados” fora da estrutura oficial.

Saída voluntária – Sugere que deixou a S.T. para cumprir missão maior e preservar a ligação com os Mestres.

O documento registra que, entre 1959 e 1962, ele promoveu “constantes ataques contra a S.T. argentina e suas autoridades”, perdeu um processo judicial contra a instituição e foi expulso por decisão de um Congresso Nacional.

Nova Acrópole como herdeira legítima dos Mestres – Sustenta que a ruptura se deu para garantir que os Mestres continuassem atuando através da Nova Acrópole.

A carta oficial enviada à Federação Europeia afirma que “há muitas evidências sobre a verdadeira natureza dessa instituição, que estava internamente conectada com o extremismo de ultradireita e o nazismo” (Theos-Talk, 1998).

Símbolos como expressão cultural – Minimiza ou não menciona conotação política dos símbolos adotados.

Registros históricos mostram que já em 1963 introduziu uma “águia ao estilo nazista” como emblema, antes mesmo de adotar oficialmente o nome “Acrópolis” em 1964 (Los inicios de Nueva Acrópolis).

 

Fundação da Nova Acrópole: Um projeto de Poder Totalitário



Sem espaço para avançar dentro da Sociedade Teosófica — após tentativas fracassadas de tomar o controle de sua seção argentina — Jorge Ángel Livraga decidiu criar uma nova estrutura, apropriando-se de doutrinas e materiais teosóficos, mas moldando-os segundo seu próprio projeto político e espiritual. Nascia, assim, a Nova Acrópole, apresentada ao público como um movimento filosófico-cultural, mas que internamente continha um plano de poder centralizador e autoritário.

O conteúdo desse plano está claramente delineado em documentos internos como a Matéria de Ideal Político (dedicada aos membros de 2º nível) e o livro Ideário. Neles, Livraga projeta uma ruptura total com a ordem vigente, não apenas no campo cultural, mas no próprio modelo civilizacional. Ele propõe a substituição da sociedade contemporânea — caracterizada como decadente, limitada e enferma — por uma nova ordem unificada, controlada e “filosófica”, cuja legitimidade derivaria de uma suposta ligação com o “Governo Oculto do Mundo” e a Hierarquia de Mestres.

Logo no início da Apostila de Ideal Político, ele afirma que o desenvolvimento humano é conduzido por “experiências de ‘laboratório’ efetuadas pelos Mestres da Hierarquia, ou o ‘Governo Oculto do Mundo’” (p. 5), vinculando o destino político da humanidade a uma elite iniciática da qual ele próprio se colocava como intérprete. A missão declarada não era reformar gradualmente as instituições, mas sim “tratar de destruir essa casa [a ordem política atual] rapidamente” e substituí-la por uma “moradia nova e melhor” para “o homem novo e melhor” (p. 6). Essa “re-evolução total” seria conduzida de forma planejada, evitando que o processo ficasse “nas mãos de uns poucos imbecis, egoístas ou loucos” (p. 6).

O modelo de Estado idealizado por Livraga não é democrático no sentido moderno, mas uma hierarquia seletiva em que “os Mistérios do Poder” estariam restritos a quem escalasse os degraus definidos pela própria estrutura. “Quem quer que seja… poderá atingir o comando supremo, se estiver capacitado para isso” (p. 40), mas a capacitação e o acesso seriam controlados pela filosofia oficial do movimento.

No campo econômico, a proposta é igualmente centralizadora: “No Novo Estado, a propriedade será integral e coletiva” (p. 57), com bens pessoais limitados à utilidade imediata, e uma educação voltada a eliminar a “tendência de possuir”.

O epílogo da apostila revela a visão messiânica e totalitária que norteava o projeto: “Quando soar a hora… a Humanidade terá outra oportunidade de formar um Estado Supremo, onde impere a Fraternidade, onde reinem a Concórdia, a Ordem e a Responsabilidade de todos para com todos” (Epílogo). Essa “oportunidade” estaria vinculada à liderança daqueles que, como ele, se apresentavam como canais da vontade dos Mestres, conferindo à sua própria autoridade um caráter sagrado.

Assim, a fundação da Nova Acrópole não foi apenas a criação de uma escola de filosofia “à maneira clássica”, mas o embrião de um projeto político-religioso de moldes totalitários. Amparado por um ideário que defendia a destruição das formas políticas existentes e a centralização absoluta do poder em uma elite filosófica, Livraga posicionou-se como o representante terreno dessa elite, legitimando seu comando como parte de uma missão cósmica.



Referências:

Ideário - https://drive.google.com/file/d/1c7PQKfdH7wCUrtbBYlE-sJjwmeWgyUyq

Matéria de Ideal Político - https://archive.org/details/apostila-ideal-politico 

 

Adaptação estratégica e postergação do plano

A derrocada do bloco soviético, simbolizada pela queda do Muro de Berlim em 1989, e o fortalecimento da democracia liberal no Ocidente alteraram profundamente o cenário geopolítico. Para Jorge Ángel Livraga, essas mudanças representavam um ambiente desfavorável à implementação imediata do seu projeto político totalitário, delineado no Ideal Político e no Ideário.

Diante disso, ele optou por uma adaptação estratégica: modificar a fachada pública da Nova Acrópole para reduzir resistências externas e garantir sua sobrevivência a longo prazo. A instituição passou a apresentar-se oficialmente como uma organização cultural e social, sustentada pelo voluntariado e pelo discurso de “filosofia à maneira clássica”. Contudo, internamente, manteve-se intacta a estrutura hierárquica rígida, com sua cadeia de comando e rituais, bem como o ideário original voltado à formação de uma elite dirigente destinada a assumir o poder no futuro.

O próprio Livraga advertia seus dirigentes para não se deixarem levar pela transformação da OINA (Organización Internacional Nueva Acrópolis) em algo que se limitasse a essa fachada cultural. No Mando nº 0060, ele escreveu:

“Son nuestros enemigos los que nos inclinan a transformarnos en una simple agrupación cultural tal cual ahora se entiende, para aplastarnos con más facilidad.” (Mando nº 0060 – “Debemos tener bien en claro qué es la OINA”).

Essa frase demonstra que a mudança de imagem não representava um abandono do projeto inicial, mas uma estratégia de dissimulação e autopreservação. O objetivo de “elevar o homem novo” e instaurar um “Estado Supremo” permanecia, apenas adiado.

Segundo relatos internos, Livraga projetava a execução plena do plano para cerca de dois séculos no futuro, quando, segundo sua própria crença, reencarnaria para reassumir o comando supremo como “Mando Máximo”. Assim, a postergação não era sinal de desistência, mas parte de um cronograma de longo alcance, fundamentado em sua visão messiânica e cíclica da história.

 

Conclusão – O arquétipo de Deus e a psicose messiânica de Jorge Ángel Livraga

Ao longo de sua trajetória, Jorge Ángel Livraga construiu uma identidade centrada na convicção de que era um emissário escolhido por forças sobre-humanas — os chamados Mestres da Fraternidade Branca — para conduzir a humanidade a uma nova era. Desde a juventude, suas narrativas autobiográficas revelam elementos típicos de uma inflação do ego, no sentido junguiano: a fusão entre o eu pessoal e conteúdos grandiosos do inconsciente coletivo, em especial o arquétipo do Deus-Rei.



Esse processo se manifesta em três eixos claros:

  1. A autoatribuição de uma missão cósmica – Livraga afirmava: “En esa cripta [egipcia] entró en contacto con los ‘Maestros de la Fraternidad Blanca’… allí empezó su instrucción como discípulo” (Los inicios de Nueva Acrópolis).
  2. A construção de um projeto político totalitário – No Ideal Político, ele escreve:
    • “É preciso tratar de destruir essa casa rapidamente para que em seu lugar se possa erguer uma moradia nova e melhor que requer a família de um homem novo e melhor.” (p. 6)
    • “No Novo Estado, a propriedade será integral e coletiva.” (p. 57)
    • “Quando soar a hora, estes breves traços animar-se-ão de novo… Então a Humanidade terá outra oportunidade de formar um Estado Supremo.” (Epílogo)
  3. A visão de si como figura atemporal – Em documento interno, afirmou:
    • “Son nuestros enemigos los que nos inclinan a transformarnos en una simple agrupación cultural… para aplastarnos con más facilidad.” (Mando nº 0060 – Debemos tener bien en claro qué es la OINA).
    • Em outros escritos reservados, projetou a execução plena do plano para 200 anos no futuro, quando reencarnaria como “Mando Máximo”.

Do ponto de vista clínico, tais características se aproximam de um quadro esquizofrênico com delírios de grandeza e temática religiosa, no qual a realidade é reinterpretada de acordo com um enredo interno absoluto e inquestionável. A rigidez de pensamento, a impermeabilidade à crítica e a necessidade de controlar todos os aspectos da vida dos seguidores indicam um funcionamento mental centrado em paranoia estrutural — onde qualquer oposição é vista como ameaça cósmica.

A identificação total com o arquétipo de Deus não só legitimava, para ele, ações de manipulação e autoritarismo, mas também o afastava progressivamente da realidade compartilhada. Sua liderança tornou-se uma extensão de sua psicose: um sistema fechado, autojustificável, que sobrevive camuflado sob aparência cultural até que, na visão de seu fundador, as “condições cósmicas” permitam a sua manifestação plena.

No fim, a história de Livraga não é apenas a de um líder sectário, mas o exemplo paradigmático de como o delírio messiânico, quando aliado a carisma e disciplina organizacional, pode transformar-se em projeto político e atravessar décadas sob diferentes disfarces, aguardando o momento de se revelar novamente.


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