A Lavagem Cerebral dos “Machados”: Uma Análise dos Exercícios da Nova Acrópole à Luz da Psicologia da Doutrinação

 Introdução

O presente artigo analisa o conteúdo do documento Ejercicios de Almena - conjunto de práticas internas da organização Nova Acrópole, direcionado ao nível máximo de formação na Nova Acrópole, identificados como “Machados” - à luz dos principais estudos sobre reforma do pensamento (popularmente conhecida como “lavagem cerebral”). A investigação parte da análise dos exercícios contidos no referido documento e os compara com os critérios estabelecidos por Robert Jay Lifton, Margaret Singer, Steven Hassan e Janja Lalich, autores reconhecidos internacionalmente no campo da psicologia de seitas e controle mental.

Os Exercícios de Almena

Para não dizerem que este artigo é mentiroso, antes de tudo confira por conta própria a lista de exercícios compilados para os machados:

https://docs.google.com/document/d/1c9Cde-ZVfs6tuwKH_A2SJUo_kX8sBZA7/

Depois, confira os artigos mensais enviados aos machados, com os exercícios sendo inseridos aos poucos:

https://drive.google.com/drive/folders/1kf1LzUzlLc3XPUybVp6Fg1Mbdhfitq1f

O “Exercícios de Almenas” é um programa extenso e progressivo de práticas meditativas, visuais e comportamentais. Inclui:

Repetição diária de mantras como “Soy un hachado”;

Visualizações mentais de formas geométricas (triângulos, pontos, esferas);

Autopunições em caso de falhas;

Escrutínio de erros e acertos pessoais com rituais simbólicos (como queimar anotações);

Submissão a temas fixos de meditação por tempo indeterminado.

Essas práticas são impostas sob o argumento de “fortalecimento da vontade” e fidelidade ao “Ideal Acropolitano”.

Lavagem Cerebral: Conceitos Fundamentais

O termo “lavagem cerebral” foi popularizado durante a Guerra da Coreia e refinado por psiquiatras e psicólogos como:

Robert Jay Lifton, em Thought Reform and the Psychology of Totalism (1961);

Margaret Singer, em Cults in Our Midst (1995);

Steven Hassan, em Combatting Cult Mind Control (1988);

Janja Lalich, em Bounded Choice (2004).

Esses autores identificaram padrões comuns em grupos que utilizam controle psicológico para impor submissão total a uma doutrina, líder ou missão, muitas vezes suprimindo a autonomia e o pensamento crítico dos adeptos.

Comparação: Exercícios de Almena x Modelos Acadêmicos

1. Modelo dos 8 Critérios de Lifton (1961)

Critério

Evidência nos Exercícios de Almena

Controle do ambiente

Repetições diárias com horários e punições; isolamento da realidade.

Manipulação mística

Visualizações de figuras sagradas, luzes, “círculos de luz”, divindades.

Exigência de pureza

Frases como “no debo fracasar”, “debo ser más obediente”.

Culto da confissão

Análise de erros/acertos e queima de registros como ritual de purificação.

Ciência sagrada

Doutrina inquestionável expressa como “El Ideal”, com obediência absoluta.

Linguagem carregada

Termos como “hachado”, “cadena de esfuerzo”, “no debo claudicar”.

Doutrina acima da pessoa

Anulação do eu em favor da missão: “no debo pensar demasiado en mí mismo”.

Desprezo pela identidade anterior

Nova identidade substitui o eu anterior: “soy un hachado”.

📘 Fonte: Thought Reform and the Psychology of Totalism, Robert J. Lifton (1961)


2. Modelo BITE de Steven Hassan (1988)

Componente

Evidência nos Exercícios

B – Comportamento

Regras rígidas de exercícios, punições, rituais, vigilância pessoal.

I – Informação

Nenhum exercício novo é permitido fora dos ditados pela "Almena".

T – Pensamento

Substituição do pensamento por slogans e imagens internas fixas.

E – Emoção

Indução de culpa (“debo castigarme”), medo de fracassar, culto ao Ideal.

📘 Fonte: Combatting Cult Mind Control, Steven Hassan (1988; 2015)


3. Modelo de Janja Lalich – Escolha Condicionada

Conceito central: os membros acreditam estar fazendo escolhas livres, mas vivem dentro de um sistema fechado em que apenas uma “opção correta” é válida.

Nos exercícios analisados, isso se revela nas frases como:

“Todos los ejercicios deben ser repetidos desde el primero al último [...] hasta que un número suficiente de Hdos. los haya realizado con éxito.”

(Ejercicios Nº 23, 25, 26, 27 etc.)

📘 Fonte: Bounded Choice: True Believers and Charismatic Cults, Janja Lalich (2004)

4. Margaret Singer – Controle coercitivo

Singer identifica técnicas como:

Repetição exaustiva de frases-chave;

Isolamento da realidade externa;

Transferência de culpa e responsabilidade para o adepto;

Exigência de perfeição nos exercícios com reinício em caso de falha.

Todas essas práticas estão presentes no Ejercicios de Almena.

📘 Fonte: Cults in Our Midst, Margaret Thaler Singer (1995)


Estamos nos limitando neste momento, simplesmente às práticas dos Machados. O processo ocorre em maior intensidade considerando todo o conjunto de práticas manipulativas nos quais o membro é exposto:

https://vitimasnovaacropole.blogspot.com/2025/06/como-funciona-a-seita-nova-acropole-por-dentro-da-filosofia-a-obediencia.html

"Pessoas que se dizem manipuladas por igrejas e cultos religiosos descrevem um programa intenso de atividades, palestras, celebrações e tarefas como distribuir panfletos, limpar o chão, fazer comida. Imersa nessa rotina, que geralmente prevê poucas horas de sono, a vítima fica tão cansada que literalmente não tem tempo para pensar sobre o que está acontecendo." Matéria da revista Super Interessante

https://super.abril.com.br/ciencia/lavagem-cerebral/

📌 Exemplos Diretos dos Mecanismos de Lavagem Cerebral no Documento “Ejercicios de Almena”

🔁 1. Repetição e Condicionamento Mental

Exemplo:

“Repetirse interiormente por lo menos tres veces por día [...] ‘soy un hachado’. Si por olvido sobreviene omisión, deberá suspenderse el ejercicio durante los tres días siguientes.” (Ex. Nº 2)

Função:

Reprogramação da identidade através da repetição forçada. A repetição fixa da frase “soy un hachado” atua como mantra de redefinição do eu e adesão ao grupo.


🧠 2. Visualizações Rígidas e Repetitivas

Exemplos:

“Visualizar internamente un triángulo equilátero, luminoso, blanco, inmóvil y permanente.” (Ex. Nº 6 ao Nº 9)

“Verlos todos a la vez y con la misma intensidad.”

“Cualquier oscilación en la intencionalidad debe marcar la interrupción del ejercicio, el que se recomenzará cuando el que lo hace se sienta con fuerzas de voluntad.” (Ex. Nº 17)

Função:

Criação de estados alterados de consciência. As exigências de perfeição e concentração total cultivam dissociação e submissão, além de criar ansiedade por desempenho.


🧷 3. Culpa, Autovigilância e Castigo

Exemplo:

“Debo hacer una obra acropolitana todos los días [...] ¿qué castigo debo imponerme? [...] el castigo ha de ser bien duro.” (Ex. Nº 30)

Função:

Instalação de um juiz interno cruel. A autovigilância constante substitui a liberdade de ação por obediência ansiosa e culpada.


🧍 4. Quebra da Vontade e Autoanulação

Exemplo:

“No debo pensar demasiado en mí mismo, ni hacer muchos planes personales para el futuro, pues no sé si viviré mañana.” (Ex. Nº 38)

Função:

Destruição da individualidade. O ego é diluído em nome da missão e da obediência. Planos e desejos pessoais são tratados como obstáculos à pureza.


🔒 5. Isolamento Cognitivo e Ruptura com a Realidade

Exemplo:

“Preferentemente de noche o madrugada, antes de las cinco de la mañana.” (Ex. Nº 55)

“Imaginar una esfera construida con nuestros defectos [...] y arrojarla al Cosmos.” (Ex. Nº 22)

Função:

A execução em horários incomuns e com rituais esotéricos promove desconexão da realidade cotidiana e dependência do universo simbólico do grupo.


🧩 6. Doutrinação por Crença em Missão Cósmica

Exemplo:

“Soy un eslabón de una gran cadena de esfuerzo. Todo personalismo es nefasto.” (Ex. Nº 18)

“Cuando trabajo para Nueva Acrópolis lo hago a la vez para mí mismo y para todos mis compañeros en la búsqueda de la sabiduría.” (Ex. Nº 31)

Função:

Subordinação completa do eu à coletividade idealizada. A missão torna-se mais importante que a própria vida, desejos ou valores pessoais.


🪞 7. Autoacusação e Escrutínio Periódico

Exemplo:

“Anotar [...] sus mayores aciertos [...] y sus mayores errores [...]. Quemar luego las hojas poniendo intención y fuerza de voluntad.” (Ex. Nº 19)

“Elegir a un Dios y pedir a Él ayuda para ello.”

Função:

Estímulo à confissão compulsória, reforçando a ideia de insuficiência pessoal e dependência da doutrina para redenção.


🔁 8. Ciclos Infinitos de Recomeço

Exemplos:

“Ejercicios y temas de meditación han sido suspendidos hasta que un número suficiente de Hdos. realicen los anteriores con algún éxito.” (Ex. Nº 34)

“Reinicia tus ejercicios desde el primero. Hazlos con calma y con seguridad.” (Ex. Nº 37)

“Recomenzar por los primeros [...] si el deber acropolitano no te lo permite, olvídate de ellos hasta una nueva oportunidad.” (Ex. Nº 38)

Função:

Estagnação contínua. Nunca há conclusão, sempre há um retorno ao início. Isso mantém o membro eternamente dependente da estrutura e em dívida com ela.


Conclusão

A análise dos Ejercicios de Almena revela a presença sistemática dos mecanismos de controle psíquico descritos por pesquisadores de renome internacional. O programa de formação dos “Machados” da Nova Acrópole estrutura-se como um processo de reforma do pensamento, com técnicas de condicionamento psicológico, doutrinação simbólica e submissão progressiva à estrutura ideológica da organização.

Trata-se, portanto, de um sistema que não apenas guia o comportamento dos membros, mas transforma sua identidade pessoal e seu modo de pensar, eliminando dúvidas, promovendo a autoculpa, e reforçando uma dependência emocional e cognitiva à figura de autoridade (JAL) e à missão da organização.


Epílogo Pessoal: Por que Alguns Saem e Outros Permanecem

Diante de sistemas como o descrito, um idealista genuíno, ao se deparar com as contradições, abusos e injustiças internas, tende inevitavelmente ao confronto com as autoridades do grupo. Essa foi a trajetória de muitas das pessoas que compõe essa associação de Vítimas de Nova Acrópole: tentamos dialogar, questionar, corrigir os problemas da instituição - e pagamos um caro preço por isso. Mas manter-se calado diante do absurdo seria uma traição ao próprio espírito.

Com o tempo, percebemos que muitos dos que saem compartilham um perfil comum: são pessoas de pensamento crítico, capazes de refletir por conta própria, com sensibilidade ética e honestidade intelectual. Não suportam a dissonância entre discurso e prática e, por isso, saltam fora - mais cedo ou mais tarde.

Aqueles que permanecem por longo prazo, salvo raras exceções, geralmente se encaixam em dois perfis:

O religioso dependente, que nunca desenvolveu autonomia intelectual real. Prefere delegar suas escolhas morais a um líder e projeta sobre ele a responsabilidade por seu karma, sua consciência e sua salvação simbólica.

O sociopata funcional, que compreende o jogo de poder interno, domina os rituais e o vocabulário exigido, mas age com cinismo. Sabe exatamente o que dizer e a quem agradar - enquanto, pelas costas, faz o que realmente deseja, sem escrúpulos ou integridade. 

O sistema, então, expulsa os íntegros e recompensa os dissimulados. A coerência torna-se um fardo e a obediência cega, uma virtude. E assim, o ciclo se perpetua - até que alguém, como você ou eu, decida não mais compactuar.

QUEM É VOCÊ NO MEIO DE TUDO ISSO? 

Referências

• Lifton, Robert J. (1961). Thought Reform and the Psychology of Totalism. Chapel Hill: University of North Carolina Press.

• Singer, Margaret T. (1995). Cults in Our Midst. San Francisco: Jossey-Bass.

• Hassan, Steven (1988; rev. 2015). Combatting Cult Mind Control. Newton, MA: Freedom of Mind Press.

• Lalich, Janja (2004). Bounded Choice: True Believers and Charismatic Cults. University of California Press.

• Documento interno: Ejercicios de Almena – Nova Acrópole (documento confidencial, s/data), fornecido pelo autor desta análise.


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